Palestrantes trouxeram pautas importantes para discutir nas arenas de debates, como desafios de mercado, tributação, modelos de financiamento, contratação em obras públicas, entre outros temas
O epicentro das discussões sobre construção industrializada acontece em São Paulo, até amanhã, quinta-feira (03). Trata-se da primeira edição do Modern Construction Show, que está movimentando uma parcela considerável de fornecedores de produtos, equipamentos, prestadores de serviços, entidades setoriais e especialistas, com disseminação das principais tendências dessa área no país.
As palestras, em particular, estão sendo bem propositivas e marcadas por uma certeza indutiva de que a construção industrializada vai muito além de uma solução bem-vinda no mercado de obras, ela é a evolução no canteiro. Contudo, alguns problemas ainda emperram essa prática de decolar alto, como explanado por Ricardo Monteiro, diretor técnico da Incorporadora SETIN e membro da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), na palestra ‘Barreiras à industrialização da construção – visão do mercado’.
De acordo com ele, as principais dores do mercado imobiliário são ciclo longo e a necessidade de muito capital inicial. “Devido ao ciclo longo, os negócios ficam muito expostos à alternância na legislação, macroeconomia e política”, diz. Para viabilizar a implantação dos sistemas industrializados nas obras, ele acrescenta que as empresas do setor precisam conversar com as incorporadoras quando o empreendimento ainda estiver em fase de estudos de viabilidade, porque após a elaboração de projeto é muito difícil implementar interferências na modalidade construtiva.
Ainda segundo Monteiro, os sistemas industrializados pagam de 12% a 20% de ICMS e IPI, ante o percentual de 2% a 5% de ISS do método tradicional, de produção artesanal em canteiro. Enquanto a questão tributária for delineada dessa forma, acaba encarecendo a industrialização, entre outros fatores. “Mas a adoção desses processos é a solução lógica para um processo de mais alta produtividade e que necessita de menos quantidade de mão de obra”, diz.
Tributação cumulativa
Atualmente, a tributação de bens imóveis no Brasil é cumulativa. O incentivo tributário a uma cadeia de produção e consumo vertical, concentrada e com alto valor de impostos acumulados, encarece o preço final e dificulta o desenvolvimento de uma indústria de construção off site.
Na palestra ‘Tributação e construção industrializada’, o diretor executivo de gestão, infraestrutura e construção da FIESP, Andre Rebelo, diz que após a reforma tributária deixará de existir entrave ao desenvolvimento tecnológico à indústria da construção, com mercado mais descentralizado e recuperação de crédito tributário garantido na cadeia de produção.
“Haverá fim dos incentivos indiretos ao modelo de construção tradicional, equalizando custos, o que garante ao modelo de construção industrializada (mais produtivo, eficiente e barato) maior adoção pelas empresas do setor”, explica Rebelo. Ou seja, antes da reforma tributária o espaço é majoritariamente do modelo artesanal, mas após a reforma haverá maior incentivo à industrialização.
Segundo Rebelo, entre 2007 e 2022 houve queda de quase 30% da produtividade no setor da construção. “A reforma irá equalizar os custos tributários entre o processo de construção artesanal e o industrializado”, acredita.
Modelos de financiamentos
O modelo atualmente estabelecido para o pagamento de unidades de alto/ médio padrão é de 20% a 30% do valor do imóvel pago para a incorporadora entre o lançamento e a entrega das chaves. Entretanto, a incorporadora precisa de um alongamento de prazos, de modo que o comprador consiga custear. Na palestra intitulada ‘Modelos de financiamento para construção industrializada’, Hamilton de França Leite Jr, head São Paulo da Brain Inteligência Estratégica, apresentou possíveis soluções baseadas em uma pesquisa de mercado sobre o assunto.
“Entre elas está a alternativa de financiamento para 100% do valor do empreendimento, além do estímulo à redução de prazos”, explica. Na leitura de Hamilton, a industrialização representa o mais elevado estágio de racionalização dos processos construtivos, e independente da origem do seu material, está associada à produção dos componentes em ambiente industrial e posteriormente montado nos canteiros de obras, assemelhando-se às montadoras de veículos.
Construção industrializada em obras públicas
O setor de obras públicas envolve a contratação de itens ou componentes industrializados, especificados em licitações. Mas isso não significa que conceitualmente elas estejam classificadas nesse sistema construtivo. Na palestra ‘Contratação de obras públicas com sistemas industrializados’, Fátima Bonassa, sênior partner da FBonassa Advogados, trouxe à tona um dos principais entraves do poder público na licitação dessa modalidade.
“Há falta de conhecimento e despreparo dos agentes públicos, barreira comum, inclusive, em países europeus que enfrentam uma realidade bem similar à nossa”, diz. Segundo Fátima, a União Europeia estabeleceu uma diretiva especificando essa necessidade, onde as partes interessadas podem apresentar aos gestores públicos as vantagens da industrialização no canteiro de obras.
A palestrante também lembrou que muitos sistemas começam a ser industrializados off site ainda antes do início da obra onde serão utilizados, isso requer investimentos que precedem o início do empreendimento. “Nesse sentido, a lei oferece a possibilidade da formação de consórcios, ou alternativa por pagamento de parcelas fixas”, diz.
Estação brasileira na Antártica é modular
Imagine o quão desafiador é construir uma estação num lugar inóspito como a Antártica, onde o transporte dos insumos demora 120 dias para chegar, o clima é extremamente severo, com intervalos curtos de tempo apropriado para construção, voos e navegação. Essa proeza só pôde ser realizada por meio da construção modular, única alternativa que possibilitou a montagem de maneira rápida e eficiente, em local onde o meio ambiente é rigidamente controlado e sequer se pode aplicar concreto.
“A construção no local é restrita ao período de verão”, conta o diretor da NGI Engenharia, Nicolau Gentil Lucif, que ministrou a palestra ‘As possibilidades da construção modular em cenários desafiadores’. De acordo com ele, toda a fabricação dos módulos foi feita e pré-montada na China, com design focado em sustentabilidade e apropriado para resistir a condições extremas. A entrega decorreu por um período de quatro verões, ou 400 dias de trabalho, muitos deles regados a tempestades de neve. “Contudo, a estação já estava totalmente montada no final do terceiro verão”, garante.
Para o fornecimento de energia elétrica, foi necessária a montagem de painéis solares, aerogeradores, banco de baterias combinada a geradores. As estações anteriores foram todas construídas em madeira, mas nos últimos 20 anos todas são de forma modular, tendência de mercado tanto no Brasil como nos países mais desenvolvidos.
O arquiteto Felipe Savassi, especialista e influenciador nessa área, fez a mediação da palestra de Nicolau, mostrou durante o evento como esse sistema vem sendo aplicado com vantagem na construção de casas, escolas, unidades de saúde, com total isolamento termoacústico e design arrojado.
Pré-fabricação de concreto
Durante o Modern Construction Show, a ABCIC realizou um seminário onde debateu diferentes temas de interesse dos profissionais do setor de construção industrializada de concreto. No Painel ‘A importância da pré-fabricação em concreto nas obras de infraestrutura viária e urbana’, Íria Doniak, presidente executiva da ABCIC, falou sobre as vantagens de uso dos pré-moldados, destacando como eles são essenciais para a modernização de rodovias e mobilidade urbana.
O professor Fernando Stucchi, da EGT Engenharia e Poli-USP, apresentou as primeiras soluções com utilização dos pré-moldados, como o cimbramento e os balanços sucessivos.
Na sequência, o professor Marcos Monteiro, secretário municipal de Infraestrutura Urbana e Obras de São Paulo (SIURB), detalhou alguns projetos da capital onde são utilizados pré-moldados. Entre eles, 27 quilômetros de canalização de córregos abertos, o espaço conhecido como “lajão” no Autódromo de Interlagos, a Ponte Jurubatuba, e o Viaduto Ivan da Costa Rodrigues (João Beiçola).
De acordo com Monteiro, a SIURB não tem qualquer restrição em relação aos sistemas pré-moldados, principalmente por eles estarem na tabela de composição de custos da secretaria. “Como a gestão pública tem um ciclo de gestão a cada quatro anos, existe uma grande ansiedade por parte dos prefeitos em relação a concluir as obras num tempo menor e com boa qualidade. Precisamos ter bons projetos, que nos deem a certeza de menor custo de obra pronta, por isso eles devem nos dar bons subsídios para responder aos questionamentos dos órgãos de controle”, arremata.