Método tradicional tem enfrentado diversas barreiras que vão deixando esse modelo insustentável, tanto no campo econômico quanto no social
A construção civil tem números superlativos, representando 13% do PIB global das nações e possuindo faturamento de US$ 10 tri. Além disso, emprega em torno de 7% da população mundial economicamente ativa e lidera o ranking dos maiores consumidores de matérias-primas. O mercado também responde por 37% das emissões de carbono. Os dados, que demonstram a importância econômica e social do setor, foram apresentados no webinar “Industrialização e construção modular”, transmitido pelo Portal AECweb.
As informações fizeram parte da palestra ministrada por Paulo Oliveira, CEO da ARATAU Construção Modular e presidente do conselho do C3 — Clube da Construção Civil. De acordo com o especialista, o segmento não tem conseguido se apropriar dos benefícios da digitalização. “Ao contrário do que a indústria muito bem faz em geral”, comentou.
Para reforçar seu argumento, o profissional apresentou um estudo da consultoria Falcone que mostra que 65% das obras têm problemas com estouro de custos. O levantamento também indica que de 5% a 10% dos gastos ficam acima das previsões iniciais por conta de falhas de gestão. “Se tivéssemos esses índices registrados em uma linha de montagem automobilística, essa fábrica já teria sido fechada há muito tempo”, ressaltou Oliveira.
O problema da mão de obra
Outro obstáculo que a construção precisa superar é o “apagão” da mão de obra. Trabalho realizado pela professora Ana Maria Castelo, economista da FGV, exemplifica a situação. O estudo rendeu um gráfico que compara a escassez profissional com o custo desses profissionais. “Sete de cada 10 construtoras convivem com esse cenário, um vácuo que chega a ser de 30 mil operários”, afirmou Oliveira, classificando o momento como crítico.
“Atualmente, o filho do mestre de obras ou do encarregado não quer seguir o caminho do pai. Prefere ser entregador ou motorista de aplicativo — atividades que trazem certo nível de independência e sem todo o esforço físico de um canteiro de obras”, avaliou Oliveira, lembrando que Europa e Estados Unidos atravessaram situação semelhante no passado.
Segundo David de Fratel, coordenador do SindusCon-SP, o país tem hoje 2,6 milhões de pessoas atuando na construção. Em 2010, eram 3,2 milhões. Mais do que isso, a idade média dos trabalhadores nos canteiros está elevada, indo de 38 para 41 anos entre 2016 e 2023. “Ou seja, trata-se de uma população que está ficando velha e os jovens não se interessam. A questão é que não tem como produzir se não aprendermos a operar de forma diferente, com métodos muito mais modernos de construção”, adverte Oliveira.
Como virar o jogo?
Para mudar esse contexto, um dos caminhos mais indicados é a industrialização do setor. Porém, o mercado não vai avançar nesse sentido de maneira espontânea. Na opinião de Oliveira, é necessário que exista uma evolução incremental de baixo risco e que aconteça por meio da inserção gradual de componentes de construção off-site em substituição ao modelo tradicional. “É como se estivéssemos subindo uma escada, em que no primeiro degrau está a construção convencional. Não saímos industrializando, nós racionalizamos primeiro e depois inserimos em um segundo degrau os componentes off-site”, detalhou.
Continuando nessa mesma analogia, Oliveira indicou que em um terceiro degrau, além desses componentes, entram os módulos. “Quando estivermos no quarto degrau, temos a construção modular mais forte com alguns componentes on-site. Isso acontece porque precisamos de ganhos de produtividade, qualidade, desempenho e de custo”, prosseguiu.
Para subir essa escada, existe uma pressão exercida pelas incorporadoras, construtoras e investidores — afinal, são muitos os benefícios. “No grupo, coloco o cliente do mercado imobiliário um pouco de lado, porque ele ainda não entendeu que está na indústria 4.0. Mas, ele não é coadjuvante, e sim ator principal que vai passar a exigir mais”, argumentou Oliveira. Esse bloco de players pressiona os fabricantes de materiais, módulos e demais componentes industrializados, que assim partem em busca da tecnologia e da inovação.
“Por outro caminho, também pressionam projetistas e consultores para optarem por soluções desse tipo, fazendo essa escadinha se movimentar”, continuou Oliveira, mencionando que a segunda jornada da industrialização é das companhias que já mudaram o mindset e buscam os diversos benefícios desse modelo construtivo.
“Essa é uma evolução exponencial, pois são empresas que já concebem, projetam, fabricam e montam o produto em construção modular ou o contratam assim. É o caso, por exemplo, do Estado quando contrata uma obra. Isso aconteceu com o Governo de São Paulo, que optou pela Tecverde para entregar 518 unidades, em 16 blocos, no município de São Sebastião — obra que tinha prazo muito apertado”, disse Oliveira.
Nesse nível de maturidade, já existe um plano de fabricação e uma fase de projeto, além do projeto executivo. Então, projetistas e consultores trabalham junto das empresas de construção modular e fabricantes de componentes usando as boas-práticas de gestão via PIM e BIM. “O papel das construtoras e incorporadoras muda, elas passam a ser integradoras, assim como acontece na indústria automotiva”, comparou o especialista.
Exemplo internacional
Para avançar no sentido da industrialização, vale a pena analisar o que aconteceu em outros países. Nesse sentido, o Reino Unido é um bom exemplo por conta do movimento que começou com Mark Farmer. Ele reuniu um grupo de especialistas que trabalhou por alguns anos para elaborar o documento chamado Farmer Review ou Farmer Report, um relatório muito importante que analisa o setor de construção de forma comparativa.
Em 2015, a construção no Reino Unido apresentava os mesmos sintomas que vemos hoje no Brasil, porém com mão de obra muito mais cara. Farmer, então, comparou o segmento com a medicina e diagnosticou que o mercado precisava de uma profunda mudança. Na segunda página do relatório está escrito: “construção — industrialize ou morra”. Para Oliveira, essa simples frase já diz bastante sobre o setor, que precisava muito evoluir.
“A construção era um paciente moribundo”, afirmou Oliveira, comentando que Farmer entendia que o governo tem papel de catalisador para acelerar uma reação e provocar a mudança comportamental. “Mais do que isso, não existe industrialização eficaz e robusta sem escala. Então, se os projetos públicos não partirem para esse modelo, dificilmente existirá essa produção em escala e jamais vamos ter uma indústria robusta”, prosseguiu.
Por que condução modular?
A construção modular está avançando a uma boa velocidade, tendo dobrado de tamanho nos últimos cinco anos. Esse segmento vai atingir US$ 130 bilhões só nos Estados Unidos e na Europa até 2030. Em 2021, foram US$ 91 bilhões no mundo. É uma taxa muito alta de crescimento, mais do que o dobro do modelo tradicional. Exemplos de companhias que estão nesse mercado são a Toyota Home, que fabrica casas modulares há muitos anos no Japão com a mesma tecnologia embarcada nos carros, e a Fab Homes, que atua nos EUA sob o comando do empreendedor brasileiro André Magozo, que era executivo do Google.
No Brasil, também temos grupos em prol desse modelo construtivo, como o Movimento Brasil Viável — associação do Clube da Construção Civil e do CTE Enredes —, que apontou as principais barreiras que impedem o avanço da industrialização. Outros exemplos são o Construa Brasil, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; além do ABC Modular — Aliança Brasileira para Construção Modular —, que faz parte do ecossistema da USP e que tem gerado diferentes conteúdos muito importantes.
“Vale contar que na Expo Construção Offsite, agendada para junho, vamos lançar a ABCON — Associação Brasileira da Construção Offsite e Modular. Queria, também, chamar a atenção para um projeto interessante da CBIC e do Senai, o Construção 2030, que tem como objetivo conduzir o mercado rumo ao modelo 4.0”, antecipou Oliveira.